terça-feira, 31 de agosto de 2010

A Chave e o Palácio




1 – As Árvores Gêmeas

Passos firmes. Ciranda de ventre. Olhos inebriados de vento.
- Falta quanto? – dissera Laura, a moça dos olhos claros e castanhos, e dos cabelos lisos e negros.
- Não sei. – respondeu o rapaz confuso.
A história de fato acontecera dias antes, num lugar que logo seria esquecido: a Planície. Esta jazia imediatamente na borda da Floresta Permitida, um espaço extremamente propício à vida de inúmeras criaturas.
- Vamos! Corra! – gritou Hyato feliz.
Os dois beberam água da fonte calma. Depois riram como faziam todas às vezes após a corrida matinal; eram dois jovens quase adultos correndo infantilmente sobre o verde da grama.
- Ainda não acabou, Laura! O que está esperando?
Seus olhos miravam a Floresta Permitida de uma forma estranha; Hyato virou-se. Uma criatura surgira por entre os galhos com uma rapidez de um raio, despencando inerte aos seus pés. Fascinados, chegaram mais perto.
O ser tinha três metros de altura; sua pele era negra como breu e asas de libélula lhe saíam das costas com exuberância extrema, brilhando debaixo do sol amarelo de fim de tarde: quatro asas translúcidas.

O corpo magro e os quatro dedos na mão lhe davam uma aparência singular.
- Por favor... Ajudem-me... - disse a criatura lentamente.
- O que ele disse? – perguntou a garota ainda assustada com a cena.
- Não sei, não ouvi direito...
- Meu... povo... está... perecendo! Por favor, dêem-me de beber...
Laura correu até a fonte e encheu suas mãos com água limpa; assim que os lábios do bicho tocaram o líquido tão esperado, suas pálpebras se abriram majestosamente. Hyato olhava-o fixamente.
- O que é você?
- Eu...
- De onde você veio? - Laura interrompeu.
- Das... Árvores... Gêmeas...
Os dois jovens entreolharam-se perturbados.
- Mas ali é ruim! – disse Hyato confuso.
- Apenas tomem essa chave em suas mãos! – disse ele com a voz rouca - Ela os levará além da Porta... Não tenho muito tempo!
- Além da porta? – disse a garota. – Nosso pai nos avisou para não trazer nada dali e nem comer nada!
- E por quê?
- Porque morreremos se o fizermos! – disse Hyato preocupado.
- Por favor... Não há tempo!
Os jovens se entreolharam mais uma vez. Talvez houvesse um segredo que seu pai não queria que soubessem, ou talvez não haveria problema se estivessem apenas ajudando um necessitado.
- Posso lhes garantir que não morrerão... Apenas serão como o pai de vocês! E saberão todos os segredos... Por favor! Salvem meu povo!
As Árvores Gêmeas estavam no meio da Floresta Permitida.
Laura correu levando a chave e Hyato a seguiu ainda trôpego pelo número de informações; estancaram assim que as viram, e seus corações pulsavam de adrenalina. Não havia fechadura.
- Que faremos? – perguntou a garota em desespero.
Mas a chave como que por vida própria saiu voando de sua mão e abriu uma fechadura invisível no meio das duas árvores. Logo uma luz brilhante atingiu os dois até desaparecerem por completo.

2 – O Palácio de Guloseimas

Estavam diante de uma grama muito verde com minúsculas flores coloridas. Á sua frente jazia um enorme palácio, com duas escadas laterais que davam para uma mesma porta no meio, e entre elas uma enorme fonte jorrava água num espetáculo quase surreal. Uma estátua do mesmo ser que lhe dera a chave estava parada no meio da fonte.
- Incrível! – disse a garota.
Hyato achou melhor não dizer nada, mas estava tão vislumbrado quanto Laura. Juntos caminharam pela grama até entrarem no palácio branco; não sabiam direito o que de fato estavam fazendo ali.
No grande salão principal uma mesa estava posta, com todas as guloseimas que se pode imaginar. As glândulas salivares dos jovens passaram a encher suas bocas diante da comida tão apetitosa.
Foi Lauraa quem tomou uma maria-mole em suas mãos e pôs-se a devorá-la.
- Não! Lembre-se que não devíamos comer nada! Além disso, nossas vestes se sujariam!
Era tarde demais. E assim que o alimento foi engolido, os olhos da jovem tiveram suas pupilas imediatamente dilatadas.
- Ó como é bom! Prove!
Hyato aproximou-se devagar e comeu. Suas pupilas também se dilataram e logo os dois passaram a devorar inúmeros doces, sujando suas roupas de goiabada, doce de leite, chocolate, morango e muitos outros sabores e guloseimas.
Na Planície, o ser estranho dava sorrisos de meia boca. Farejara o cheiro de Morte. Momentos depois os jovens retornaram envergonhados, e ele rumou pelas árvores da Floresta Permitida, voando feliz.

3 – Sacrifício de sangue

Seis horas da tarde.
Os garotos se esconderam atrás da figueira.
- Laura! Hyato! – gritava o pai. – Onde estão vocês?
Não responderam. Não queria que seu pai a quem amavam os visse daquela maneira, e de qualquer forma se sentiam ridículos por viverem agindo como crianças.
Ele estava muito perto.
- Somos ridículos, pai! E agora mesmo não sei o que está acontecendo conosco, parece que estamos desaparecendo! - gritara Laura com desespero.
- Que aconteceu?
- O ser alado... Ele... Nós... Nós atravessamos a porta e comemos uns doces e... – respondeu Hyato triste.
- Saiam daí, agora! Medidas precisam ser tomadas!
Os três rumaram até a Mansão.
- Mas pai foram apenas doces... – começou Laura.
- Não, minha filha! Vocês desobedeceram minhas ordens, e por isso vocês acabaram de morrer! Por causa desse simples ato, a terra se tornará maldita, e haverá Dor, Pranto e Morte! A Planície não é mais seu lar! Não posso quebrar meus princípios, ainda que o amor que sinto seja tão grande! Deve haver justiça, meus filhos!
Não olharam para o pai, estavam por demais constrangidos. E foi dessa forma que o acompanharam até a Floresta e o viram derramar o sangue de cordeiros e falar com o ser alado.
- Você andará sobre seus pés e comerá o pó da terra!
As asas do bicho murcharam até desaparecer, depois este correu para longe da Planície.
- Vistam essas roupas! As suas não servem mais!
- Por quê? – disse Hyato.
- O salário desta ação é a morte! Em contrapartida, o sangue representa a vida! Este ato, então, é o Primeiro Sacrifício; figura daquele que será consumado pela sua descendência! Agora vão! Eu os amo e estarei com vocês, meus filhos! Mas precisam ir!

4 – A Garça de Ouro

O pai olhava-os pela janela da casa enquanto se distanciavam cada vez mais.
- Dias virão em que eu precisarei buscá-los, e depois será a sua vez de incendiar a terra como nunca fez antes. – olhou para a garça gigante que mirava-o confusa. – Se eles tivessem me escutado, teriam vivido para sempre aqui comigo, jamais morreriam, e a terra não seria maldita! Mas eu verei o fruto do meu penoso trabalho nos dias do porvir; e como verei!
A Garça de ouro abriu as asas de júbilo e depois fechou os olhos, esperando esse momento grandioso.